quarta-feira, 17 de junho de 2020

Braquitude tóxica

Faz umas duas semanas que estou submersa nas pautas do movimento negro. Sempre soube que o Brasil (e o mundo) é racista, mas isso nunca doeu tanto em mim. Era mais uma constatação da nossa realidade do que me sentir parte ativa dela. Era uma tristeza acompanhada de um alívio por não ser negra, confesso. Tristeza por um outro distante. Tristeza sem identificação real nem com oprimido e muito menos com o opressor. Tristeza que dá um apertinho no coração, mas passa rápido quando volto para os meus afazeres, era como quem assiste um filme triste, distante. Era assim. 

Desde que comecei a acompanhar diariamente o mundo sob a perspectiva do negro - o que aconteceu pra mim somente após as mortes do George Floyd e, mais intensamente, do Miguel - essa tristeza mudou de forma e intensidade. Esse aperto no peito ficou mais intenso e permanente, me reconheci como parte do problema e isso me causou um desconforto enorme, um senso de urgência em mudar agora toda essa estrutura que não reconhece o negro como igual. Como sou parte do problema,  a sensação de distância e impotência que sentia antes caiu por terra. Chega! Precisamos parar tudo, reescrever nossa história e mudar já nosso presente e futuro. Conhecer e contar a verdade, sob todas as perspectivas. 

Não adianta esperar o governo fazer alguma política de inclusão, temos que fazer nosso trabalho de formiguinha e, juntos, pressionar para que mudanças estruturais efetivas ocorram. Me entristeceu notar que os posts em que divulguei perfis de pessoas com quem podemos aprender tiveram pouquissimos likes ou visualizações. Me entristece ver que a mobilização que parecia ser geral semana passada está se dissipando, perdendo força. Artistas brancos com milhões de seguidores cederam seus perfis a pessoas importantes do movimento negro, mas o público simplesmente não assiste, não lê, não se interessa. 

Eu entendo essa tendência de ficar no nosso lugar de conforto, de ignorância, de não-identificação com a causa, de evitar esse sofrimento, mas, gente, seguinte: esse lugar nos coloca do lado dos assassinos, não há meio termo: se não estamos lutando ao lado do povo negro, olhando o mundo sob sua perspectiva, aprendendo com eles, estamos, inevitavelmente, matando os negros, corroborando com a visão de que a vida negra não tem o mesmo valor. 

Eu não sei o que fazer com essa urgência que sinto em meu peito e esse texto é mais um desabafo, uma tentativa de tirar de mim. Essa pauta tem que ser nossa prioridade. Se pensarmos bem, todas as outras estão, de alguma forma, relacionadas a ela. Enquanto houver injustiça, não haverá paz pra ninguém. Somos intimamente conectados, o sofrimento do povo negro é todo nosso e de nossa responsabilidade.