sexta-feira, 23 de abril de 2021

Inteligência emocional

Eu até hoje peço coisas para São Longuim (e pago minha promessa, quando encontro o que procuro). Meus filhos aprenderam. Esta semana, Davi perdeu uma roda de caminhão e pediu:

- São Longuim, São Longuim, se eu achar a roda do meu caminhão eu dou três pulim e três gritim. 

Feito. Achou - 3 dias depois, mas achou - e pagou a promessa.

Dias depois, Bento perdeu um bichinho de pelúcia (Booboo) e foi fazer o seu pedido:

- São Longuim, eu te amo muito, você é muito fofinho e lindinho. Se eu achar o Booboo eu dou três pulim e três gritim.


quarta-feira, 17 de junho de 2020

Braquitude tóxica

Faz umas duas semanas que estou submersa nas pautas do movimento negro. Sempre soube que o Brasil (e o mundo) é racista, mas isso nunca doeu tanto em mim. Era mais uma constatação da nossa realidade do que me sentir parte ativa dela. Era uma tristeza acompanhada de um alívio por não ser negra, confesso. Tristeza por um outro distante. Tristeza sem identificação real nem com oprimido e muito menos com o opressor. Tristeza que dá um apertinho no coração, mas passa rápido quando volto para os meus afazeres, era como quem assiste um filme triste, distante. Era assim. 

Desde que comecei a acompanhar diariamente o mundo sob a perspectiva do negro - o que aconteceu pra mim somente após as mortes do George Floyd e, mais intensamente, do Miguel - essa tristeza mudou de forma e intensidade. Esse aperto no peito ficou mais intenso e permanente, me reconheci como parte do problema e isso me causou um desconforto enorme, um senso de urgência em mudar agora toda essa estrutura que não reconhece o negro como igual. Como sou parte do problema,  a sensação de distância e impotência que sentia antes caiu por terra. Chega! Precisamos parar tudo, reescrever nossa história e mudar já nosso presente e futuro. Conhecer e contar a verdade, sob todas as perspectivas. 

Não adianta esperar o governo fazer alguma política de inclusão, temos que fazer nosso trabalho de formiguinha e, juntos, pressionar para que mudanças estruturais efetivas ocorram. Me entristeceu notar que os posts em que divulguei perfis de pessoas com quem podemos aprender tiveram pouquissimos likes ou visualizações. Me entristece ver que a mobilização que parecia ser geral semana passada está se dissipando, perdendo força. Artistas brancos com milhões de seguidores cederam seus perfis a pessoas importantes do movimento negro, mas o público simplesmente não assiste, não lê, não se interessa. 

Eu entendo essa tendência de ficar no nosso lugar de conforto, de ignorância, de não-identificação com a causa, de evitar esse sofrimento, mas, gente, seguinte: esse lugar nos coloca do lado dos assassinos, não há meio termo: se não estamos lutando ao lado do povo negro, olhando o mundo sob sua perspectiva, aprendendo com eles, estamos, inevitavelmente, matando os negros, corroborando com a visão de que a vida negra não tem o mesmo valor. 

Eu não sei o que fazer com essa urgência que sinto em meu peito e esse texto é mais um desabafo, uma tentativa de tirar de mim. Essa pauta tem que ser nossa prioridade. Se pensarmos bem, todas as outras estão, de alguma forma, relacionadas a ela. Enquanto houver injustiça, não haverá paz pra ninguém. Somos intimamente conectados, o sofrimento do povo negro é todo nosso e de nossa responsabilidade. 

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Loiro

Bento me pergunta com carinha triste:

- Mamãe, nós é loiro?

- Sim, vocês são loiros.

- Mas eu não quero.

- Por que? Você sabe o que é loiro?

- Não.

- É quem tem cabelo claro. E vc tem. Só isso.

- Mas eu não gosto dessa faladora. (palavra)

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Bento, 4 anos

Bento, andando atrás de mim, não para de me encarar, sorrindo. 
- O que foi, filho? Meu cabelo tá bagunçado?
- Não. - continua me encarando com o mesmo sorriso.
- Por que vc está me olhando desse jeito?
- Porque eu to gostando de você. 

Bento, 4 anos hoje. Que felicidade conviver com essa alminha iluminada! Vida longa e saudável, meu filho!


sexta-feira, 15 de novembro de 2019

To bonita?!

Carlos chegando de uma viagem longa, me arrumei um pouco mais e, insegura, perguntei pro Davi:

- Estou bonita, filho?

Olhou bem e disse:

- Ta engraçada.

- Engraçada?! Não quero estar engraçada, filho, quero estar bonita. Estou bonita?

- Mãe, engraçada é bom. Ta engraçada. Só engraçada.


terça-feira, 24 de setembro de 2019

Amor de irmão

Hoje o Bento me deu uma canseira! Fiz comida o suficiente para almoço e jantar do dia. Davi amou, Bento quase nem provou, disse que não gostava e não quis comer. A regra aqui é: não quer comer o que está servido, fica sem comer. (escrevendo pareceu-me duro demais, mas sempre funcionou bem. A criança acaba comendo quando está com fome)

Hora do jantar, sirvo a mesma refeição e Bento, de novo, se recusa a comer. Aviso que é o que temos hoje e, se não quiser, vai dormir com fome. Ele fica o jantar inteiro à mesa reclamando e não toca na comida. Resolvo dar na boca, coisa que não preciso fazer desde que ele era bebê, quase - desde cedo come bem sozinho. Ele abre a boca, faz cara feia e joga a comida pra fora. Penso: comida saudável, fresca, delícia. Fdp! Se não quiser, vai dormir com fome.

Davi e eu terminamos o jantar e sirvo a sobremesa que é um sucesso aqui em casa: banana com canela e queijo quente no microondas. Davi se delicia e Bento implora:

- Quero bananinha!

- Come a comida e dou a bananinha. Não quero que mate a fome no doce.

Ele insiste e esse diálogo se repete muitas vezes. Termino o meu jantar cansada e com pouca paciência:

- Seguinte: Vou tirar a mesa e organizar a cozinha e esse é o tempo que você tem para terminar o jantar. Se não comer, vamos pro banho e cama. Vc vai dormir com fome. Nada de bananinha pra vc.

Davi, preocupado com o irmão, incentiva:

- Vai, Bento, ta uma delícia! Come! Mamãe, dá na boca dele.

- Eu não! Eu até ia dar, mas ele não se comportou, perdeu a chance. 

Davi termina sua bananinha e começa a dar comida na boca do irmão:

- Abre a boca.

Bento abre e não fecha.

- Agora fecha. - diz, pacientemente.

Bento fecha a boca e faz cara feia. Davi comemora.

- Isso, Bento! Que bom! Vc vai ganhar bananinha! Mamãe, o Bento comendo, se comportando, ele vai ganhar bananinha?

- Se comer tudo até eu terminar aqui, vai.

Davi continua: cada colherada, um parto, mas Davi segue paciente e fofo. "Abre a boca. Fecha a boca.". Bento reclama do tamanho da colher, dos ingredientes da comida e Davizão dando seu jeito. Eu só olho, brava com Bento, mas apaixonada pelo Davi. Resolvo filmar.

Uma determinada hora (saiu no vídeo, isso), Bento, que declaradamente não gosta de tomate, pergunta:

- Isso é tomate? (era tomate)

Davi:

- Não.

- O que é?

Davi sem pensar muito responde: 

- Pimenta. - e vai colocando a colher na boca do irmão, que come satisfeito.

Terminado o longo jantar, falo:

- Davi, você é um excelente irmão!

Bento:

- Eu gosto do Davi, eu não quero o Davi morrer nunca. Quando umas pessoas morrem, elas viram passarinhos?

- Não, viram estrelas - responde, convicto, o Davi.

- Umas pessoas viram passarinhos e outras viram estrelas. - Bento conclui. 

E assim, minha noite continua... 

Assistir esses meninos é um barato!















 



A fé não costuma faiá

O melhor aprendizado que incorporei na minha vida é ter fé de que tudo acontece, acontece porque foi a melhor coisa que poderia ter acontecido. Absolutamente tudo.

Ter fé nisso traz uma paz absurda em todos os momentos. E se você fica ligado na comunicação constante com o universo, ele dá um jeito de te comunicar isso. Um exemplo besta que acabou de acontecer:

Bento fez um risco enorme de caneta azul no nosso sofá bege novo. Um sofá de um tecido difícil de limpar, provavelmente não vai sair nunca. Quando eu vi, senti meu sangue ferver, tremi de raiva, muito ódio mesmo! Minha primeira reação foi:

- BENTOOOO!!!

Ele me olhou assustado. Parei aí, graças a Deus e a essa fé de que falei: tudo que acontece é a melhor coisa que poderia acontecer. Respirei fundo e consegui dizer calmamente:

- Poxa, filho, riscou com caneta azul o sofá... não pode!

- Eu vou limpar dileitinho.

- Não vai, não sai mais. Não faz isso nunca mais, tá?!

- Tá.

Sentei no sofá ainda pensando:

- Será que tenho que castigar? Dar umas palmadas? Que ódio!

Na mesma hora, o Spotify, que estava tocando músicas aleatórias, coloca pra tocar a música que escolhi para o Bento quando ele nasceu. Vieste, Ivan Lins. Música que não está em nenhuma playlist minha. Tocou. Nessa hora. Meu coração amoleceu e entendi o recado: está tudo bem. A liberdade desse serzinho lindo de explorar o mundo é muito mais importante do que mil riscos no sofá. Não era o que eu queria, mas é a melhor coisa que poderia ter acontecido. Te amo, filho fofo.

E assim, como num passe de mágica, meu coração está leve novamente e a vida segue...